A ABRAPSO se despede do Prof. Celso Pereira de Sá

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A Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) comunica o falecimento do Professor Celso Pereira de Sá (UERJ), um grande fomentador dos estudos de representações sociais no Brasil. Externa pesar diante da perda e em reconhecimento à trajetória do docente publica dois textos que trazem elementos da trajetória e dos efeitos da produção intelectual do Professor Celso Pereira de Sá na Psicologia Social. O primeiro texto escrito pelas Professoras Maria de Fátima de Souza Santos (UFPE) e Angela Maria de Oliveira Almeida (UnB), o segundo pela Professora Ana Maria Jacó Vilela (UERJ).

Difícil falar sobre um colega e amigo com o qual convivemos durante algumas décadas, motivados pelas atividades acadêmicas e pelo prazer da convivência pessoal. Professor do curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Celso Pereira de Sá foi sem dúvida um dos mais importantes nomes da Psicologia Social brasileira e, para os pesquisadores que se dedicam ao estudo dos fenômenos psicossociais baseados na teoria das representações sociais, uma grande referência. Celso era também o companheiro de conversas sérias e alegres, recheadas de histórias, críticas e um humor refinado e agudo. A convivência durante os Simpósios da ANPEPP (e os encontros científicos de modo geral) começava na seriedade dos grupos de trabalho e se estendia à noite. Entre muitas conversas e risadas, regadas de cerveja gelada e um bom whisky, as atividades coletivas do nosso GT eram planejadas. E, é claro, na maioria das vezes, lideradas por ele. Seu engajamento e dedicação ao aprofundamento e à difusão da teoria das representações sociais no Brasil foi marcante e iniciou-se ainda na década de 1980.

Já em 1990, proposto pelo Prof. Edson de Souza Filho, a ANPPEP acolheu no seu III Simpósio, realizado em Águas de São Pedro, o Grupo de Trabalho sobre Representações Sociais. Naquele momento, o grupo era constituído pelos Professores Edson de Souza Filho (UnB), Ricardo Vieiralves Castro (UERJ), Celso Pereira de Sá (UERJ), Clélia Maria Nascimento-Schulze (UFSC) e Mary Jane Spink (PUC-SP). Em 1992, as discussões ocorridas no IV Simpósio da ANPEPP, forneceram a base para a elaboração do livro O Conhecimento no Cotidiano, organizado pela Prof. Mary Jane Spink e publicado em 1993 pela Editora Brasiliense. Este livro é, até hoje, uma referência nos estudos de representações sociais e no qual o Prof. Celso Sá participou com o capítulo Representações sociais: o conceito e o estado atual da teoria. Em 1994, durante o V Simpósio da ANPPEP em Caxambu, Celso Sá coordenou o grupo que foi nomeado, naquele momento, de Psicossociologia do Conhecimento.

Naquele mesmo ano Celso Sá presidiu a II Conferência Internacional sobre Representações Sociais, trazendo para o Brasil Serge Mocovici e outros grandes pesquisadores, o que deu um impulso decisivo nesta área de pesquisa. Este evento que, conta com a participação de pesquisadores do mundo todo, insere-se em uma sequência que teve a sua primeira ocorrência em Ravello (Itália, 1992) para, logo em seguida, acontecer no Rio de Janeiro (Brasil, 1994).

Aproximando-se do Grupo de pesquisadores de Aix-en-Provence, principalmente de Jean-Claude Abric, Celso Sá se aproxima também da abordagem estrutural das representações sociais. Seu livro Núcleo central das Representações Sociais, publicado pela Vozes em 1996, possibilitou o acesso de jovens pesquisadores aos pressupostos teóricos e metodológicos da abordagem estrutural das representações sócias e fez dele um dos principais divulgadores dessa corrente de pensamento.

Em 1997, em Belo Horizonte, durante o XIX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), sob a coordenação de Celso Sá, um grupo de pesquisadores se reuniu para discutir o desenvolvimento e difusão da Teoria das Representações Sociais no Brasil. Desta reunião saiu a proposta de realizar uma Jornada Internacional sobre Representações Sociais (JIRS), que aconteceu em Natal no ano de 1998, presidida pela Dra. Margot Madeira e desde então ela acontece a cada dois anos, como um evento itinerante. Em 2003, Celso Sá acolhe no Rio de Janeiro a III JIRS e, marcando a consolidação da produção brasileira, inaugura a I Conferência Brasileira sobre Representações Sociais – CBRS – que deveria ser concomitante à JIRS, sempre que esta fosse realizada no Brasil.

Sua preocupação com o rigor teórico e metodológico e, sobretudo, com a formação de jovens pesquisadores, o levou a publicar em 1998, mais uma obra. No livro A construção do Objeto de Pesquisa em Representações Sociais ele discutia os principais conceitos da teoria, a construção o objeto de pesquisa propriamente dito, possibilitando ao estudante e jovem pesquisador que se inicia nesse campo de conhecimento o acesso às informações básicas da teoria, o questionamento sobre os objetos de representação social e o campo de pesquisa no Brasil.

Sempre atento à futura geração de pesquisadores, no XII Simpósio da ANPEPP, em 2008, Celso Sá participou da criação e assumiu a coordenação do Grupo de Trabalho Memória, Identidade e Representações Sociais, com o intuito de reunir em um mesmo grupo de trabalho pesquisadores sêniores e recém-doutores, pesquisadores com uma trajetória anterior de colaboração e jovens pesquisadores vinculados a várias instituições brasileiras de ensino superior e que vinham se dedicando à pesquisa em TRS.

Além de sua contribuição impar como pesquisador e teórico da psicologia social, Celso Sá foi se consolidando, ao longo de sua trajetória, como um dos maiores difusores da TRS no Brasil. A criação, junto com um grupo de colegas, da Revista Psicologia e Saber Social foi mais uma prova de seu comprometimento com o desenvolvimento teórico-metodológico da teoria no Brasil, e com sua ampla difusão nos meios acadêmicos.

Nestes últimos anos Celso Sá se dedicou ao estudo da memória social em articulação com a teoria das representações sociais. Em 2015, em Teresina, durante a IX JIRS e VII CBRS, proferiu uma conferência, na qual, de forma instigante e provocadora, discutiu uma articulação da Teoria das Representações Sociais com outras perspectivas teóricas da Psicologia. Foi um dos idealizadores e primeiro presidente da Associação para o Desenvolvimento da Psicologia Social (ADEPS), criada em 2015. Sua postura sempre crítica e rigorosa do ponto de vista acadêmico, sua capacidade de pensar a psicologia social, e seu incansável fôlego para fazer insurgir novos projetos, grupos, associações e eventos para o desenvolvimento e difusão dessa área do conhecimento, fazem dele nossa referência maior. Seu sorriso largo, seu amor pela vida, seu compromisso com a UERJ, instituição da qual foi vice-reitor, e sua paixão pelo Rio de Janeiro (mais precisamente pela Guanabara) ainda nos contagia.

Neste 7 de maio de 2016, despedimo-nos com muita dor de nosso amigo e mestre Celso Sá.

Maria de Fátima de Souza Santos
Angela Maria de Oliveira Almeida

 

Celso Pereira de Sá (1941-2016) – acadêmico, amigo.

Na madrugada do dia 7 de maio de 2016 faleceu Celso Sá, professor titular do Instituto de Psicologia da UERJ.

Celso nasceu no Rio de Janeiro em 8 de março de 1941, data depois consagrada como o “Dia Internacional das Mulheres”. Nas comemorações de seu aniversário, costumava brindar as mulheres presentes com um botão de rosa. Isto, creio, resume um pouco de quem ele era: alguém que, mesmo nas ocasiões mais pessoais, fazia sua vinculação com o público, com o coletivo, com o que se passava no mundo. E, sempre, da maneira carinhosa e gentil que era sua marca.

Foi Oficial da Marinha em sua juventude, período em que serviu no Setor de Pessoal, o que o estimulou a estudar Psicologia. Foi aluno da UERJ, universidade que o atraiu porque era a única que possibilitava o estudo noturno, condição essencial para quem trabalhava em horário integral. Terminou sua formação em 1971. Foi o discípulo querido do professor Eliezer Schneider (1916/1998) que o considerava seu sucessor. Entretanto, mesmo Schneider sendo Diretor do jovem Instituto de Psicologia e Comunicação Social da UERJ, Celso teve seu nome preterido para ingresso na carreira docente várias vezes – naquela época não havia concurso público na UERJ – até conseguir ingressar em 1977. Desde então, sua dedicação foi totalmente à UERJ.

Obteve o título de Mestre em 1978 e de Doutor em 1985, pelo Instituto de Pesquisas Psicossociais da Fundação Getúlio Vargas (ISOP/FGV), sempre sob a orientação do prof. Schneider. Este, advogado de formação, havia participado da Juventude Comunista em pleno Governo Vargas. E foi um dos primeiros brasileiros a obter uma educação formal em psicologia, na Iowa University, nos anos de 1940. A psicologia nesta universidade tinha uma forte conotação behaviorista, orientação que Schneider transmitiu a Celso. Isto está presente em sua dissertação de mestrado, publicada sob a forma de livro em 1979 pela Achiamé, e intitulada “Psicologia do Controle Social”.

Na UERJ, Celso galgou todos os degraus da carreira acadêmica, iniciada em uma época em que esta universidade tinha somente cursos de graduação e era regida por um forte conservadorismo aliado ao regime militar. Mesmo assim, não se furtou a lutar pela redemocratização da Universidade, como muitos faziam pelo país. Foi um dos 97 professores da Uerj que se reuniram na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) para a assembleia de fundação da Associação dos Professores da UERJ (APUERJ), hoje ASDUERJ. Como consta na página da associação, “a realização da assembleia fora dos muros da universidade indica o forte clima de desconfiança e perseguição ainda existente”.

Esta luta se estendeu ao período de democratização da universidade. Participou ativamente do movimento que propunha eleições diretas para Reitor em 1983. E, quando o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional tais eleições, auxiliou na realização da “consulta pública” que se constituiu no fortalecimento da associação docente. Nesta consulta, chegou a ficar de vigília no caixa-forte da Universidade, tomando conta das urnas eleitorais.

Eleito nesta consulta como Diretor do Instituto de Psicologia, enfrentou muitas dificuldades para ser empossado e exerceu uma gestão com muitas pressões conservadoras tanto de dentro do IP quanto de fora. Entretanto, os ventos democráticos propiciaram o reconhecimento de sua gestão (1984 a 1987), possibilitando sua eleição seguinte para a Direção do Centro de Educação e Humanidades (1988 a 1991).

Neste último ano, foi o proponente do Mestrado de Psicologia e Práticas Sócio-Culturais do qual foi o primeiro coordenador (1991-1994) – Mestrado que hoje é o Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social.
Também neste período descobriu a Teoria das Representações Sociais (TRS) que o fez abandonar o behaviorismo de sua formação inicial. Realizou seu pós-doutorado naquela abordagem em 1996, na Université de Provence, e se tornou um de seus principais autores, não somente em nível nacional como também internacional. Comprovação disto é a constante presença de Denise Jodelet, uma das principais autoras francesas da TRS, como sua interlocutora.

Desde a comemoração dos 500 anos do “descobrimento do Brasil”, dedicou-se à investigação e sistematização do que denominou uma “psicologia social da memória”, principalmente em conjunto com pesquisadores portugueses. Isto não o impediu de, ao mesmo tempo, no período de 2000 a 2003, ser Vice-Reitor da UERJ, acompanhando Nilcea Freire como Reitora – para ele, contribuir para a UERJ era o principal.

Também foi, de 2002 a 2004, vice-presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP) e, de 2002 a 2005, membro do Conselho Superior da Faperj. Era pesquisador nível 1 do CNPq.

Seu filho mais velho, Cláudio, faleceu precocemente em 2006. Esta foi uma perda avassaladora, que Celso revelou claramente num belo artigo publicado em 2007 na revista Psicologia & Sociedade, em que, como era de seu feitio, articulou o pessoal com o coletivo. Intitulado “Sobre a Psicologia Social no Brasil – entre memórias históricas e pessoais”, relata sua trajetória, seus ganhos e perdas, e aponta sua relação, intelectual e afetiva, com dois ícones – antagônicos – da psicologia brasileira, também já falecidos naquele momento: Carolina Bori e Silvia Lane.

Aposentado desde 2011, Celso continuava atuando no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social como Pesquisador Visitante, orientando e publicando.

Celso publicou 68 artigos, muitos em revistas internacionais; publicou 5 livros como autor e outros 2 como organizador, além de 32 capítulos de livros. Orientou 22 dissertações de Mestrado e outras 15 de doutorado, além de inúmeros trabalhos de final de curso de graduação e de Iniciação Científica. Deixou 1 orientação de doutorado em andamento.

Em 2015, publicou pela EdUERJ “Estudos de psicologia social: história, comportamento, representações e memória”, livro em que republicou diferentes textos escritos ao longo de quase quarenta anos de contribuição à psicologia. Correspondendo à honestidade intelectual que o caracterizava, não fez nenhuma revisão dos textos para aproximá-los à sua visão atual. Desta forma, o livro é uma excelente ferramenta para análise das diferentes nuances de seu pensamento ao longo de sua vida.

Celso era uma pessoa gentil, generosa, com um humor fino, mas que evitava ofender. Aceitava as críticas com tranquilidade. Mas não suportava críticas a seus orientandos e amigos que fossem além das puramente acadêmicas. Neste caso, virava um leão, articulado na defesa daqueles que lhe eram caros. Teve alguns alunos prediletos e a eles dedicou alguns de seus livros, numa relação marcada pelo carinho.

Depois de sua aposentadoria, Celso almejava o título de Professor Emérito da UERJ. Nada mais justo, tendo em vista seus quase 50 anos de contribuição à universidade. Infelizmente, diversas injunções impediram que o recebesse. A outorga do título foi aprovada pelo Conselho Superior de Ensino e Pesquisa mas Celso não pôde esperar sua análise pelo Conselho Universitário.

Que sua vida continue iluminando a todos nós, companheiros de sua história, e a outros que irão ainda conhecê-lo.

Rio de Janeiro, 8 de maio de 2016

Ana Maria Jacó-Vilela