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Vozes da ABRAPSO – A URGÊNCIA NA SAÚDE MENTAL DA POPULAÇÃO NEGRA

Alan Reis Castorino

É de grande importância levarmos a observação e reflexão da existência de um fenômeno ao qual traz grande risco a saúde mental das pessoas negras, este que está relacionado ao sofrimento psíquico que tem em sua causa o racismo estrutural, nos levando a observar como as situações de discriminação das mais sutis as mais explicitas podem vim a produzir em sua vivencia quadros depressivos, traumas, ansiedade entre outros transtornos psicológicos. Esse texto se volta a reflexão de uma urgência em suas ações diante a saúde metal da população negra e seu enfrentamento ao discurso racial, seguindo em busca de formas tanto em sua prática clínica quanto em gestão de serviços de saúde e social, onde profissionais sejam capazes de identificar e contribuir para a promoção da qualidade de saúde e equidade, na produção desses grupos.

No Brasil podemos observar um racismo que se da de forma sutil e muitas vezes disfarçada, mas que não pode ser ignorada diante a sociedade. Racismo esse que se estendeu após a dita abolição, e que se reflete na saúde mental da população negra até os dias atuais.

O racismo é uma prática estruturada no Brasil, herança da escravidão que se faz presente na realidade cotidiana da sociedade. As consequências dos anos de escravidão, com a exploração, a opressão, não acabaram com a chamada Lei Áurea, visto que o “trabalho livre” desencadeou uma série de novas dificuldades para a população negra “livre”, a fim de vender sua força de trabalho, porém passou a ser marca de inferioridade, segregação, sem qualificação, empregos subalternos e sem acesso a moradias dignas, passaram à habitar os morros (Anjos, Inocentes, 2020 p. 9)

Assim, é possível trazer a discussão questões de como todo o processo da escravidão e pós escravidão ainda atinge a população negra em seu espaço social e de sofrimento psicológico, de forma a demostrar os traumas aos quais perpassam em nossa sociedade até o momento atual.

Essa herança que traz a população negra resultados como não acesso a educação e qualidade, a não promoção da equidade, trabalhos inferiorizados, sofrimentos e traumas psíquicos, depressão e problemas referentes a auto estima.

Diante a essa questão, faz-se a importância em trazer as colocações referente ao racismo e a saúde mental da população negra ao qual cita Lélia Gonzales ao nos trazer em seus escritos a neurose cultural brasileira.

Segundo Lélia Gonzalez (1983), o lugar em que nos situamos determina nossa interpretação sobre o duplo fenômeno do racismo e do sexismo. Para nós, o racismo se constitui como a sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira. Nessa perspectiva, vemos que a articulação do racismo com o sexismo produz efeitos violentos sobre a mulher negra em particular.

É na exploração do trabalho escravo – e hoje na marginalidade social – que está a origem do racismo brasileiro. Essa obviedade não é tão óbvia assim, quando se projeta no mulato a expressão de ‘progresso social’ à medida em que ele embranquece. Pelo contrário, reforça o racismo, mascarando-o como uma aparente ‘democracia racial’ e fortalecendo a função prática e a ideologia do branqueamento (CHIAVENATO, 2012, p. 226), assim nota-se o quão essa questão do racismo coloca o negro para além das margens sociais, trazendo ainda uma urgência em questões de saúde mental, visto que a todo decorrer histórico o negro é colocado em situações traumáticas, sejam ela por sua cor ou pelas ideologias raciais mascaradas no social.

Nas palavras de Santos (1983): “Foi com a disposição básica de ser gente que o negro organizou-se para a ascensão, o que equivale dizer: foi com a principal determinação de assemelhar-se ao branco – ainda que tenha que deixar de ser negro – que o negro buscou, via ascensão social, tornar-se gente.” O negro em sua busca a se ascender socialmente, se depara com a realidade do dito mito da democracia racial na esperança de que o Brasil os coloca em uma convivência pacifica e igualitária, tendo a todos as mesmas chances e oportunidades, seria essa a negação do racismo.

Nessa busca esbarra-se na citação de Santos (1983), citando Laplanche e Pontalis (1970), o Ideal do Ego é um modelo ideal, perfeito ou quase perfeito sobre qual o indivíduo vai se constituir. Assim a autora traz a discussão sobre a relação do negro entre o Ideal do Ego, onde encontra-se diferença, que traz uma enorme insatisfação, mesmo diante de toda sua luta por conquistas e suas conquistas alcançadas.

Partindo desse conceito, do ideal do ego, RIBEIRO nos traz essa problemática ao qual se coloca o negro no Brasil, “Afro-descendentes que tenham internalizado compulsória e brutalmente um ideal de ego branco veem-se obrigados a formular para si um projeto identificatório incompatível com as propriedades biológicas do próprio corpo. Tentando transpor o fosso criado entre ego e seu ideal paga altíssimo custo que inclui, muitas vezes, o sacrifício do equilíbrio psíquico. Da obrigação de definir um ideal impossível para a realidade do próprio corpo e da própria história pessoal e étnica, decorrem auto-imagem desfavorável e auto-estima rebaixada, ou seja, sérios problemas de identidade pessoal.” (RIBEIRO, 1999: 238).

Assim colocamos de fato o quão o racismo traz a urgência em se atentar a saúde mental da população negra onde se transfere todo sofrimento. Segundo Freud, o sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens (Freud, 1930/1996i, p. 85).

Afinal, porque falar sobre a saúde da população negra?

Seguimos com os dizeres, “Um desafio particularmente urgente nesse contexto é o da saúde mental da população negra. Dados apontam que, no país, o suicídio é a terceira principal causa externa de mortes. Uma pesquisa do Ministério da Saúde publicada em 2018 revelou que jovens negros do sexo masculino e idades entre 10 e 29 anos são os que encaram o maior risco de morrer por suicídio…” “Sabemos que esse risco maior está relacionado ao sofrimento psíquico causado pelo racismo estrutural. Ele reforça a necessidade de discutirmos os efeitos do racismo na saúde mental da população negra” (Roberta, 2020)

Faz-se necessário nos colocarmos em reflexão enquanto sociedade e implicar aos outros questões como as aqui discutidas para que se movimente ao outro o entendimento aos quais precisamos dessa urgência em observar esse risco maior que se relaciona ao sofrimento e transtornos mentais que veem a ser causado pelo racismo. Assim reforça-se a necessidade de trazer a discussão toca questão saúde mental da população negra.

Referências Bibliográficas:

CHIAVENATO, J. J. O Negro no Brasil: da senzala à abolição. São Paulo: Editora Moderna, 1999.

FREUD, S. O mal-estar na civilização. In S. Freud. Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud (vol. 21). Rio de Janeiro: Imago, 1996/1930.

GONZALEZ, L. Cultura, etnicidade e trabalho: efeitos linguísticos e políticos da exploração da mulher. Mimeo, Annual Meeting of the Latin American Studies Association, Pittsburgh, p. 5-7, 1979.

RIBEIRO, R. I. Identidade do afro-descendente e sentimento de pertença a networks organizados em torno da temática racial. In: BACELAR, J.; CAROSO, C. (Org.). Brasil: um país de negros? Rio de Janeiro & Salvador: Pallas/CEAO, pp. 235-252, 1999.

SOUZA, N. S. Torna-se negro: As vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. 1 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1983.

ANJOS, K. M. L. INOCENTES, P. G. A. O racismo estrutural na sociedade brasileira: uma análise a partir da formação sócio. Simpósio internacional estado, sociedade e políticas públicas | Programa De Pós-Graduação Em Políticas Públicas – PPGPP Universidade Federal do Piauí – UFPI, 2020.

ROBERTA, F. Precisamos falar sobre a saúde mental da população negra, nov 2020. Disponível em: https://saude.abril.com.br/blog/saude-negritude-atitude/precisamos-falar-sobre-a-saude-mental-dapopulacao-negra/ Acesso em:18 nov. 2021.

Recebido em 06/12/2021.

Aprovado em 30/03/2022

Comissão editorial das publicações eletrônicas Vozes da ABRAPSO

Publicado em 27/05/2022