Jaynete de Souza França
Em meio a gama de emoções e reações que todos vivenciamos desde o início da pandemia COVID 19, vimos nossas vidas serem forçadas (não que já não fossem) abruptamente a uma mudança impositiva em busca de nos protegermos dessa ameaça. Boa parte do mundo compreendeu que diante a falta de remédios e vacinas para combater a doença, precisaríamos adotar um isolamento social, ou seja, interromper nossas rotinas. Além de evitar o contato físico com outras pessoas. E rapidamente, utilizamos dos artifícios tecnológicos para tentarmos suprir essa lacuna em nossas produções. Assim vemos uma não tão nova, apesar da roupagem diferente, cobrança sobre o que estamos fazendo com o nosso suposto tempo livre. Esse tempo afastado pode ser preenchido com leituras, produções acadêmicas, e cursos variados online, e até mesmo uma nova rotina com maior participação na organização da casa. Quase que no automático, alguém lhe dá sugestões do que fazer enquanto em casa para compensar o tempo e não adoecer psicologicamente. Receitam como se possível, uma suposta a medida da vida ao outro (HEIDGGER, 2010). O importante é produzir esse tempo, sem limites (HEIDGGER, 2012).
O mundo conectado, e implicado que compartilhamos, foi indubitavelmente pego de forma despreparada para lidar com uma situação que o mobiliza e pede, ainda que momentaneamente, uma reestruturação adaptativa. Por motivos diversos, apesar dos chamados avanços tecnológicos em nossas vidas, e suas consequências, ainda lidamos de forma bem dificultosa com nossas possibilidades de Ser neste cyber mundo. O filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925 2017) trouxe grande contribuição na nova percepção das relações. Assim como as novas formas de se lidar com o tempo, cujo tentamos aproveitar ao máximo, fazendo compras online, cursos diversos de locais, acompanhar as mídias de notícias, conversar e ter relações diversas, e se por acaso nos frustramos com algo, simplesmente bloqueamos, deixamos de seguir ou excluímos. Em outras palavras, cortamos as relações de uma forma simplificada e rápida, e com isso refazemos nossas formas relacionais com mundo. Mais conectados e supostamente menos dependentes.
Em suma, é interessante pensarmos nessas mudanças que se tecem em nossas relações com o mundo, pois as subjetivações são inúmeras, mas algumas bem visíveis, como nossa implicação voltada a nós mesmos. Essa é uma característica muito importante na atualidade. Com todas as gamas de possibilidade, com todos os recursos que agora possuímos, supostamente temos mais poder e possibilidades para nos empreender, somos Senhores de nós mesmos (HAN, 2015). Com o agravante da COVID-19, agora faremos a distância. Bem, talvez nos seja possível algumas reflexões (ao menos para alguns) sobre nossas existências, relações familiares, trabalho, relações sociais, relações com nós mesmos. Poderíamos nos questionar se esse retorno a nós mesmos, estaria limitando nossas possibilidades de sermos no mundo. Seria o grande volume de apatia que ainda vemos, uma das consequências dessa forma nebulosa de nossas relações? Talvez. São reflexões que como muitas, surgem em meio a pandemia. Muitos que ainda precisam estar nas ruas (mesmo não querendo), e adoecem. Assim como aqueles isolados em seus lares (também por motivos exteriores), na medida do possível, levando em consideração suas realidades sociais, também adoecem. Muitas angustias surgem, assim como desejos e esperanças. Com isso, continuamos sendo, inclusive por aqueles que perdemos e ainda perderemos.
Referências Bibliográficas:
Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar.
Heidegger, M. (2010). Los himnos de Hörlderlin: Germânia y El Rin. (Ana Carolina Riofrío). Buenos Aires: Biblos;
Heidegger, M. (2013). Ser e tempo. Tradução de Fausto Castilho. Campinas, Editora da Unicamp; Petrópolis, RJ: Editora Vozes.
Han, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Tradução de Ênio Paulo Giachini, 1° Reimp. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
Jaynete de Souza França
Discente no curso de Psicologia da UERJ
Associada pelo Regional Rio de Janeiro da ABRAPSO
Recebido em 12/05/2020.
Aprovado em 12/05/2020.
Comissão editorial das publicações eletrônicas Vozes da ABRAPSO
Publicado em 21/05/2020.