Resumo: A Organização Mundial da Saúde divulgou uma série de orientações no cuidado e combate ao Covid19. Todavia, pouco se problematizou, a partir das orientações e quais seriam as diretrizes para atuação junto às pessoas em situação de rua. Somado à problemática, encontramos o sucateamento da saúde pública que sofre com os ataques e pressões dos projetos liberais rumo à privatização da saúde brasileira. É neste cenário caótico de crise política e emergência sanitária atravessadas pela chegada da COVID19 que o SUS se reafirma imprescindível. Para tanto, torna-se urgente revogar a Emenda Constitucional 95, pois o congelamento dos gastos impacta diretamente nos programas de saúde do SUS. Mesmo caminhando na via da defesa das políticas públicas, é preciso pontuar que as políticas possuem limitações significativas no enfretamento das desigualdades, deixando explícito que a nossa maior ameaça é o modo capitalista de gestão da vida.
Lave as mãos (com água e sabão ou higienizador à base de álcool), mantenha um metro de distância entre você e qualquer pessoa que esteja tossindo ou espirrando, certifique-se de que você e as pessoas ao seu redor seguem uma boa higiene respiratória, fique em casa se não se sentir bem, evite tocar nos olhos, boca e nariz. Essas são as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o combate e prevenção da COVID19 que, desde 30 de janeiro de 2020, foi declarada Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, caracterizando uma pandemia.
Todavia, pouco se problematizou, a partir das orientações, sobre quais seriam as diretrizes para atuação junto as mais de 101.854 pessoas em situação de rua, número este apontado pelo censo de 2016 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Números estes que não correspondem à realidade dessa população devido à falta de dados oficiais e que, por consequência, resulta em um total de pessoas em situação de rua bem maior que os dados coletados.
Costurando a problemática apontada, encontramos o sucateamento da saúde pública que, historicamente, sofre com os ataques e pressões dos projetos liberais rumo à privatização da saúde brasileira. Desde sua criação, o Sistema Único de Saúde (SUS) é alvo de investidas de interesses do capital, privilegiando setores privados, tratando a saúde como mera mercadoria e fonte de lucro, indo na contramão do proposto pela Reforma Sanitária (em suma: a defesa do caráter universal e público da saúde).
É neste cenário caótico de crise política e emergência sanitária atravessadas pela chegada da COVID19 que o SUS se reafirma imprescindível. Mesmo se tratando de uma ameaça global, a resposta de cada sociedade será alinhada ao seu sistema de saúde, colocando à prova governos e políticos mediante as suas ações concretas no combate e prevenção à pandemia, como por exemplo, a criação dos hospitais de campanha. Para tanto, torna-se urgente revogar a Emenda Constitucional 95, que desde 2016 estabeleceu um teto de gastos públicos para saúde e educação por 20 anos. O congelamento dos gastos impacta diretamente nos programas de saúde do SUS, na qualidade dos serviços, nos recursos materiais para melhor atendimento, implica também na privatização dos serviços de saúde, ou seja, coloca em risco a nossa maior aposto no combate a COVID19 (Fleury, 2020). Também acarreta em um desfinanciamento do SUS frente à crescente demanda dos usuários e aumenta de forma expressiva as iniquidades no acesso aos serviços de saúde (Silva, Batista, & Santos, 2017).
Mesmo se tratando de uma doença com disseminação democrática, os índices de mortalidade não são democráticos, mostrando que há grupos populacionais mais ou menos vulneráveis, tanto em seu momento atual, quanto em sua trajetória de vida. Retorno aqui para a reflexão sobre a População em Situação de Rua (PSR): a pandemia, em sua face mais perversa, escancara a violência estrutural vivenciada pelos mais pobres, principalmente o exército industrial de reserva que, se em outrora, cumpriu sua funcionalidade no capitalismo, com seu aumento absurdo em tempos de reestruturação produtiva, tem sua vida e morte gerenciada de forma funcional. Quando pensamos nas pessoas que produzem suas vidas no âmbito das ruas, a máxima #fiqueemcasa, não possui efeito. É preciso pensar em um plano de ações que leve em consideração as especificidades de cada segmento populacional, não como simples detalhes, mas como questões centrais nas possibilidades efetivas de enfretamento dessa situação. É preciso também refletir acerca dos direcionamentos que as nossas políticas públicas estão tomando.Isso se evidencia através da contradição exposta entre economia e vidas humanas, explicitando que algumas vidas (de um segmento específico) precisam ser sacrificadas em nome do Deus da economia (Schuch, Furtado, & Sarmento, 2020).
Através da mídia acompanhamos como tem sido cruel e desigual as ações de combate e prevenção ao vírus para a PSR. A pandemia vem para desvelar o quão trágico e desumano são os desmontes das nossas políticas públicas para as populações precarizadas. Sendo assim, é momento de pensar o que tem sido ofertado para essa população, pensar nas estruturas dos albergues com pouca ventilação e super lotação, nos centros de referência para acolhimento, na forma como os atendimentos têm sido prestados, o abandono por parte do poder público, a aproximação das ações de segurança pública e o afastamento das ações assistenciais.
Como pensar na higienização das mãos, quando falta água potável? Como pensar em distanciamento social, quando se têm albergues e espaços públicos lotados? Como se pensar na #fiqueemcasa, quando não se tem uma? Quando as ações assistencialistas chegam primeiro, mas também são as primeiras a se retirarem diante do cenário de crise, o que sobra de efetivo construído pelas políticas públicas? O que ainda está de pé que não foi atacado ou demolido? Nas palavras de Sônia Fleury: não há direitos de cidadania sem um Estado garantidor, não há direito à saúde sem um sistema público universal e integral, com participação popular. Simples assim! Como está na Constituição Federal de 1988.” Mesmo caminhando na via da defesa das políticas públicas, é preciso pontuar que o Estado e as políticas possuem limitações significativas no enfretamento às questões pontuadas acima, deixando explícito que a nossa maior ameaça é o modo capitalista de gestão da vida: em resumo ,o nosso atual modelo societário se apresenta como a nossa maior ameaça.
Referências
Fleury, S. (2020). O Vírus, os Parasitas e os Vampiros: Covid-19, desmonte do SUS e a EC 95. Unpublished Manuscript.Recuperado de: http://cebes.org.br/2020/03/o-virus-os-parasitas-e-os-vampiros-covid-19-desmonte-do-sus-e-a-ec-95/
IPEA. (2016). Estimativa da população em situação de rua no Brasil. Brasília. Recuperado em 20 de maio de 2018, em http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/26102016td_2246.pdf
Schuch, P., Furtado, C. C., & Sarmento, C. S. (2020). Covid-19 e a População em Situação de Rua: da saúde à segurança pública? Unblished Manuscript. Recuperado em: https://www.ufrgs.br/ifch/index.php/br/covid-19-e-a-populacao-em-situacao-de-rua-da-saude-a-seguranca-publica
Silva, A. C. da, Batista, J. H. S., & Santos, W. C. M. (2017). DESMONTE E SUCATEAMENTO DO SUS: o ataque neoliberal à política de saúde no Brasil. Anais Seminário FNCPS: Saúde em Tempos de Retrocessos e Retirada de Direitos, 1(1).
Texto enviado por integrante do Núcleo Juiz de Fora – Regional Minas Gerais da ABRAPSO.