O horror opera com cúmplices. Cumplicidade silenciosa, discreta, que opera por um conjunto de atos e discursos que fazem crer que o horror, cotidiano, é sempre exceção, caso esporádico, “efeito colateral” de guerras que não escolhemos lutar. Como se o extermínio secular de pessoas, culturas e subjetividades negras e indígenas fossem pontos fora da curva e não um projeto de sociedade de longa duração.
Moïse Kabamgabe foi mais uma vítima do horror. Desse horror historicamente repetido por nossas classes dominantes. Mais uma vítima deste projeto político que transforma pessoas negras em alvos potenciais do extermínio, seja pelo Estado, seja pelas mãos (e paus e pedras e armas e facas) dos ditos “cidadãos de bem”.
Apenas na cidade do Rio de Janeiro, nos últimos três finais de semana, foram registrados doze linchamentos nas praias e bairros da zona sul. As imagens mostram pessoas pretas sendo barbaramente torturadas pelas ruas da zona sul da cidade, sob o olhar silencioso de uma população que parece ter naturalizado o horror como parte do cotidiano carioca.
O Rio de Janeiro foi fundado sob o regime forçado, em cima da escravização e extermínio dos corpos negros e indígenas. Esta cidade, que foi o maior porto de desembarque de escravos da humanidade, segue sendo a ponta de lança da produção de tecnologias de extermínio, seja pelas dinâmicas da dita “guerra às drogas”, pelas operações de “ordenamento público” ou pela ação dos braços criminosos da milícia.
A Associação Brasileira de Psicologia Social – ABRAPSO – se posiciona junto e ao lado daquelas e daqueles que ainda acreditam que é possível resistir ao horror e à barbárie, produzir resistências ao extermínio e às múltiplas formas de exclusão social, ressignificar os sentidos de cidade e do exercício da diferença, lutar contra o racismo e as distintas dinâmicas fascistas no interior dos espaços onde elas se produzem: no cotidiano, em nossas práticas, discursos, gritos e silêncios. E não apenas repudiamos veementemente mais este ato de barbárie contra uma pessoa preta, um imigrante, como apoiamos os atos e manifestações que cobrem do poder público a identificação e punição rigorosa dos responsáveis como, também a intensificação de mobilizações e ações, por parte dos distintos entes federativos, que combatam o extermínio da população negra e indígena brasileira.
Assim, convocamos todas e todos a participar dos atos que estão marcados para o próximo Sábado, 05 de Fevereiro/2022, organizados por diferentes movimentos e coletivos negros e de imigrantes. No Rio de Janeiro, às 10 horas, no posto 8 da Bara da Tijuca, em frente ao quiosque onde o assassinato aconteceu. E em São Paulo, às 10 horas da manhã, no vão do MASP.