Carta aberta da Abrapso aos/às governantes recém-empossados/as

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POR UMA GESTÃO PÚBLICA JUSTA, DEMOCRÁTICA E IGUALITÁRIA

A Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) foi criada em 1980, com o firme propósito de construir uma Psicologia Social Crítica, distinta daquela que dominava a produção intelectual e as intervenções dos profissionais em psicologia e áreas afins: alheias à ampla injustiça social que caracterizava a sociedade brasileira. Em sua origem, a ABRAPSO se posiciona, pois, como uma entidade que define ciência e política como indissociáveis e defende a manutenção de uma postura crítica frente a ambas, de modo a construir para uma sociedade mais democrática com justiça social.

Recentemente, durante o segundo turno das Eleições 2010, nossa entidade publicou uma Carta Aberta à sociedade brasileira, na qual reafirmamos nosso lugar político e nos manifestamos criticamente em relação ao possível retrocesso de conquistas democráticas alcançadas nos últimos anos. Na oportunidade, questionávamos: “Qual projeto de sociedade queremos e estamos construindo?” Nosso posicionamento, naquele momento, buscava fazer frente ao modo com as discussões eleitorais se caracterizavam: sustentadas em argumentos moralistas, ao invés de uma postura firme na defesa de direitos fundamentais da pessoa humana.

Neste momento, em que toma posse a nova presidência e se institui nova composição legislativa, além de dar boas-vindas aos novos/as governantes, firmarmos uma postura crítica frente aos últimos oito anos. Nesse sentido, a ABRAPSO busca trazer alguns apontamentos, com o sincero objetivo de contribuir para o debate democrático. Com isso, reafirma sua posição expressa na primeira Carta Aberta e enfatiza sua rejeição a qualquer moralização de demandas democráticas e/ou à construção e manutenção de desigualdades.

Neste cenário, preocupa-nos sobremaneira a ordem neoliberal inscrita em atos governamentais que, nos últimos anos, resultaram em ampla terceirização, na precarização das condições de trabalho, na privatização da saúde e da educação, dentre tantos outros problemas. Trata-se de enorme retrocesso às lutas populares por melhores condições de existência e por uma sociedade justa e igualitária. Não podemos esquecer também do descaso com conquistas democráticas já obtidas por essas lutas, como vem sendo o caso do Sistema Único de Saúde ou com a Rede Pública de Ensino, em todos os seus níveis. Nosso questionamento, obviamente, não se refere aos princípios, mas a sua forma de implementação, que muitas vezes repete antigos formatos, sob novos argumentos.

Em relação aos Direitos Humanos, de maneira ampla, não se pode esquecer da constante criminalização, tanto dos movimentos sociais combativos da cidade e do campo, como da pobreza, que acabaram culminando em episódios críticos tais como os recém-assistidos na cidade do Rio de Janeiro. Também não podemos esquecer que, à custa de evitar qualquer embate com a alta cúpula militar, a postergação na abertura dos Arquivos da Ditadura e a manutenção da Anistia a torturadores apenas pune, mais uma vez, vítimas e familiares dessa triste passagem de nossa história, que constantemente se busca silenciar.

No período eleitoral, preocupou-nos sobremaneira o modo como debates em torno de questões fundamentais aos Direitos Humanos foram tratados de modo superficial e moralizante. Com isto, nos referimos tanto à cruzada ideológica encampada pelo candidato José Serra, bem como a resposta “em defesa da vida” oferecida pela, à época candidata, Dilma Roussef. Na defesa de uma sociedade justa e igualitária, faz-se importante perguntar pelo significado da moralização da luta por direitos democráticos e, dessa forma, a quem ela visa beneficiar e sobre qual projeto de sociedade estarão assentadas as bases da nova gestão.

Consequentemente, sob que horizontes e na busca de qual projeto de sociedade gestão recém-eleita respondeu que é “defensora da vida”, ao ter sido questionada sobre sua posição quanto à descriminalização do aborto? Sob que horizontes e na busca de qual projeto não explicitaram o apoio a direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais? Por que não questionaram o conservadorismo de setores religiosos que insistem em tratar a homossexualidade como pecado, a manter a discussão do aborto entre favoráveis e contrários, simplificando o debate e nomeando a lei pela criminalização da homofobia como “lei da mordaça” e a descriminalização do aborto como um ato de assassinato? Essas questões são caras à democracia brasileira e não podem ser tratadas do ponto de vista moral e sim a partir do respeito aos direitos humanos. O preconceito e a intolerância raciais, territoriais, por orientação sexual, de gênero, classe social, dentre tantas outras expressões, vem crescendo assustadoramente em nosso país e esse tipo de discurso vindo de nossos governantes apenas contribui para o aumento de manifestações desse tipo. Também é cúmplice, o silêncio frente a posturas intolerantes.

Como associação científica e profissional que somos, destacamos a preocupação com a redução do orçamento público federal aprovado para o ano de 2011, especialmente no que se refere a investimentos em pesquisa e educação. Frente a isso, gostaríamos de atentar para a necessidade de: 1) avançar rumo a uma política sustentável para a formação de pesquisadores e de profissionais em psicologia e áreas afins; 2) de manter e ampliar o processo de contratação de professores nas universidades federais; 3) de garantir fomento por parte de agências de apoio à pesquisa e ensino; 4) de garantir bolsas para o desenvolvimento de atividades de pesquisa e extensão para estudantes tanto de graduação como de pós-graduação; 5) de respeitar as especificidades da área de Ciências Humanas e Sociais com relação aos seus critérios internos de produtividade e relevância na produção do saber acadêmico.

A ABRAPSO se opõe a toda forma de exploração, opressão, exclusão, preconceito ou de descaso com as políticas públicas e sociais. Espera dos/as governantes, eleitos/as pelo voto popular, que também tenham essa postura e que contribuam, do lugar que estão ocupando, para a construção de uma sociedade justa e igualitária.

Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO)

Recife, 31 de dezembro de 2010