Carta aberta aos associados, participantes e interessados do XX ENABRAPSO

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Carta aberta aos associados, participantes e interessados do XX ENABRAPSO

 

Estou preso à vida e olho meus companheiros

Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças

Entre eles, considero a enorme realidade 

O presente é tão grande, não nos afastemos. 

(Carlos Drummond de Andrade)

 

Olá, 

 

O Encontro Nacional da ABRAPSO está em sua vigésima edição. 

 

Nossa associação foi criada em 1980 e acompanhou o processo de abertura, a redemocratização, a tentativa de construção de uma sociedade mais justa e igualitária, mas não de forma passiva: ao contrário, uma das finalidades estatutárias da ABRAPSO é “garantir o compromisso ético-político com as populações submetidas a desigualdades sociais e econômicas, em condição de vulnerabilidade, opressão ou violência de qualquer ordem, contribuindo para a transformação em uma sociedade justa e igualitária” e temos feito o possível para que todas as nossas ações carreguem esse compromisso nestes quase dois anos de gestão.

 

Trabalhamos no fortalecimento dos núcleos e das regionais, apoiamos eventos, criamos estratégias para o incremento da participação dos movimentos sociais e dos estudantes em nossa associação, com a participação da diretoria nacional, apoio logístico e financeiro. Acreditamos que a Abrapso existe e se mantêm por sua base e, com orgulho, podemos dizer que encerramos uma tarefa que se arrastava por 10 anos: o novo estatuto da Abrapso, que foi aprovado em assembleia específica ocorrida no último Congresso Brasileiro de Psicologia.

 

No entanto, neste encontro vivemos uma situação política e econômica consideravelmente diferente das que estávamos acostumados. Nos dois anos que nos separam do evento anterior o contexto social, político econômico brasileiro alterou-se de forma intensa e estamos enfrentando um momento no qual o absurdo tem feito parte do cotidiano, com paralelo apenas o período que antecede a constituição de 1988.

 

Se há muito lutamos por direitos, a situação hoje é de perda acelerada de conquistas históricas: a CLT, a Previdência Social, o SUS, entre outros foram postos na berlinda. A censura (que surge de forma emblemática com as propostas de “lei da mordaça”) e uma política pautada pelo medo e pela desesperança (ameaças constantes, perseguições ideológicas e punições esdrúxulas) são uma realidade a ser enfrentada. Soma-se a isso uma crescente desvalorização do conhecimento científico e acadêmico, que inclui cortes gigantescos de investimentos, atingindo diretamente a construção e a disseminação do ensino e da pesquisa brasileiros. são apenas alguns exemplos dessa forma de conter e dificultar a mobilização. 

 

Essa realidade nos afetou diretamente. Embora não se resuma a isso, daremos dois exemplos: 1) concorremos à chamada CNPq 04/2019 – Auxílio à promoção de eventos científicos, tecnológicos e/ou de inovação (ARC). Ganhamos e com uma excelente pontuação, ficando entre os 10% mais bem avaliados. No entanto, a chamada foi suspensa e não vamos receber o dinheiro; e 2) havíamos pensado que, por ser em São Paulo – uma cidade com mais gente e com fácil acesso de qualquer lugar do Brasil – teríamos um número gigantesco de inscrições; mas começamos a perceber e receber notícias de muitas pessoas estão com um verdadeiro receio de estar em espaços que claramente se colocam como oposição e que por isso se sentem mais seguras se afastando da ABRAPSO nesse momento. Além disso, muitos professores e pesquisadores também tiveram cortados os seus subsídios para participação em congressos científicos.

 

Também é importante dizer que, os recursos próprios da Abrapso, o grosso dele (fruto da contribuição dos associados), decorrem das inscrições no Encontro Nacional.

 

Ademais, um congresso do porte do Encontro Nacional da ABRAPSO é extremamente oneroso e precisamos garantir que ele se pague, sem deixar dívidas para as próximas gestões. Essa também tem sido uma preocupação constante: a realidade não nos permite ser muito otimistas. Ao contrário: tudo nos leva a crer que as próximas gestões terão muito mais problemas do que temos tido e, desta forma, temos um compromisso que vai além da construção do Encontro.

Tentamos o tempo inteiro fugir dessas dificuldades. Temos pensado em cada detalhe da organização para fazer um encontro onde, efetivamente, mais do que resistência, sejamos  um espaço de potência: de debates que busquem analisar o cotidiano em busca de saídas, de construção coletiva, de enfrentamentos, de transformação, de trocas, reencontros. Um encontro em que possamos lembrar e seguir sabendo que não estamos sozinhos. 

 

Para isso, o estamos construindo em parceria com os núcleos e as regionais desde a montagem da comissão científica até a proposta de atividades que irão compor o nosso encontro. Demos o maior número possível de isenções: para as comissões científicas e organizadoras, para todos os palestrantes dos simpósios, para todos os mediadores das rodas de conversa, para os monitores –  que estarão em um número que possibilite que eles também possam participar do evento. Fizemos uma primeira faixa de preço mais barata, que pudesse servir como um incentivo para que os militantes da base da Abrapso (principalmente de fora de São Paulo) pudessem estar presentes no evento. Suspendemos a última faixa de preços e cortamos muitos gastos, inclusive em questões tradicionais da ABRAPSO. Sabemos o quanto isso é insuficiente para a participação de todos; mas estamos fazendo tudo o que conseguimos enxergar que está ao nosso alcance. 

 

Como no poema de Drummond, estamos taciturnos – com o contexto, com aquilo que foge das nossas possibilidades, por não fazermos o encontro da forma que gostaríamos, por não podermos dar todas as isenções que nos são solicitadas. Mas, apesar disso, nutrimos grandes esperanças de que esse seja um encontro potente, que possamos, juntos, pensar em alternativas, construir mobilizações. Como chama a atenção no nome que a comissão científica criou para esse encontro: que o XX ENABRAPSO realmente se constitua como uma defesa da democracia e da emancipação humana.

 

Esperamos que você possa estar conosco e, mesmo que não possa, que não nos afastemos. 

 

Abrapsos,