ABRAPSO apoia discussões de gênero e sexualidade no currículo de Medicina da UFU

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ABRAPSO apoia a mobilização pela permanência das discussões de gênero e sexualidade no Curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

 Acompanhe o texto abaixo ou acesse aqui o documento na íntegra

 

Uberlândia, 19 de setembro de 2016.

À Comunidade Acadêmica da Universidade Federal de Uberlândia;

À Direção da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia;

À Coordenação do Curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia;

Aos Coordenadores dos Componentes Curriculares “Saúde Coletiva VII”.

E aos demais interessados,

Assunto: Plano de Ensino “Saúde Coletiva VII”

Prezados,

Entendendo a importância da temática discutida no módulo de Saúde Coletiva VII do curso de Medicina, cuja ementa é:

Sistema Único de Saúde (SUS). Políticas de Saúde no Brasil. Atenção Primária à Saúde (APS). Estratégia Saúde da Família (ESF). Saúde Coletiva, Gênero e Sexualidade. Saúde da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT). Saúde do Homem. Saúde da Mulher. Projeto de Pesquisa II.

E sabendo que houve um questionamento, por parte de alguns estudantes, sobre a inclusão do tema “Gênero e Sexualidade” na ementa do plano de ensino com a justificativa de que isso não está descrito na Ficha de Componentes Curriculares e no Projeto Pedagógico do Curso (PPC), e posteriormente a organização de um abaixo assinado com o objetivo da supressão dos conteúdos, viemos manifestar nossa defesa da manutenção do tema no currículo.

Entendemos a importância de tais documentos para nortear o currículo recém implantado na faculdade. No entanto, queremos ponderar que os mesmos foram redigidos em 2013, anteriormente às Diretrizes Curriculares Nacionais em 2014 (DCN’s), e, por vezes, como qualquer outro documento, é datado e pode estar em desacordo com questões e abordagens essenciais na atualidade.

Uma dessas questões seria o tema proposto pelo módulo. Em um contexto de silenciamento da população de lésbicas, gays, bissexuais, assexuais, e transexuais na sociedade, é de extrema importância que o tema seja debatido em sala de aula, com estudantes que se tornarão médicos e serão demandados no atendimento dessas populações.

Quando não se fala sobre o assunto, além de silenciar novamente todas essas populações, não se prepara profissionais que consigam atingir a integralidade do atendimento – um dos princípios do SUS. A integralidade da saúde da mulher, do homem, da criança, do jovem, do adulto ou do idoso estará comprometida, visto que não serão considerados entre os marcadores sociais da diferença o gênero e a sexualidade.

É importante citar que o tema “gênero e sexualidade” estava presente já na 12ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), em 2003, considerado essencial para se elaborar políticas de equidade para a população (BRASIL, 2004). Na 13ª CNS, em 2007, os marcadores orientação sexual e identidade de gênero foram incluídos na análise de determinação social da saúde (BRASIL, 2008). Dessa forma podemos ver a importância da ampliação do olhar no cuidado em saúde para além de questões biomédicas.

A integralidade do cuidado está para além da fisiologia ou anatomia – disciplinas percebidas por estudantes que defendem a exclusão dos conteúdos como as únicas ou mais importantes no curso. A integralidade passa por questões culturais e sociais que não devem ser menosprezadas por futuros médicos por estes simplesmente acharem que estas questões são menos importantes. Como irão cuidar integralmente, por exemplo, de uma mulher lésbica ou um homem trans sem entendê-los? Sem entender os conteúdos da filosofia, sociologia, antropologia que ancoram o gênero e a sexualidade dessas pessoas? Sem considerar a história, a cultura e as vivências dessas pessoas? E sem ter tido a possibilidade de refletir sobre a construção histórico-cultural da temática? Por fim, como irão cuidar também das pessoas heterossexuais sem entender que também o gênero e sexualidade marcam as relações nas quais elas estão inseridas? Nesse ponto, citamos as DCN’s que dizem exatamente que o estudante precisa considerar todas as dimensões que compõem o espectro da diversidade humana.

Art. 5º Na Atenção à Saúde, o graduando será formado para considerar sempre as dimensões da diversidade biológica, subjetiva, étnico racial, de gênero, orientação sexual, socioeconômica, política, ambiental, cultural, ética e demais aspectos que compõem o espectro da diversidade humana que singularizam cada pessoa ou cada grupo social (…)

É importante frisar que não estamos falando que questões biológicas, fisiológicas ou anatômicas não são importantes para a formação dos estudantes, sabemos que elas são essenciais, mas não podemos negligenciar as outras questões que também compõem o construto do humano, sendo igualmente essenciais. É importante também colocar que a inclusão do tema “Gênero e Sexualidade” não só não prejudica os outros conteúdos já previstos no PPC como também está completamente relacionado com as temáticas principais do período: “Saúde da mulher” e “Saúde do homem”, destacando o curso de medicina da UFU como um dos pioneiros ao contemplar o conteúdo dentro de uma disciplina obrigatória.

É possível perceber que a necessidade do tema para os currículos médicos, é reconhecida internacionalmente e também se apoia em estudos nacionais, conforme já sinalizado no próprio plano de ensino apresentado pelos professores responsáveis pelo módulo:

Rufino et al. (2013) apontam, em seu estudo com 242 graduandos de medicina das universidades públicas e privadas de Teresina/PI, que as temáticas de gênero e sexualidade são “comentadas” de forma pontual em disciplinas de ginecologia, psiquiatria, psicologia médica e urologia, ao abordarem os temas, por exemplo, de câncer, aborto, DSTs/HIV/aids. Ou seja, a inteligibilidade das questões de gênero e sexualidade só são passíveis de estudo e aprimoramento profissional quando relacionadas à noção de “desvio” dos códigos normativos (CANGUILHEM, 2002), de um “comportamento de risco”, e isso é reforçado pelos estudos de Fallin-Bennett (2015), Izutsu (2014), Eisenberg (2013), White (2012) e Obedin-Maliver et al. (2011).

Importante ressaltar que o estudo de White (2012) fez uma análise das escolas médicas dos Estados Unidos e do Canadá, evidenciando a necessidade de aprimoramento dos currículos médicos sobre as questões de gênero e sexualidade.

Constatamos de forma cabal que o assunto está sendo debatido nas mais importantes organizações, tanto a nível mundial quanto nacional. São exemplos a OMS, a ABEM – esta que incluirá a temática pela primeira vez no Congresso Brasileiro de Educação Médica de 2016 em Brasília – e a Association of American Medical Colleges (AAMC) – que no documento intitulado “Joint AAMC-GSA and AAMC-OSR Recommendations regarding Institutional Programs and Educational Activities to Address the Needs of Gay, Lesbian, Bisexual and Transgender (GLBT) Students and Patients” recomenda que se inclua a temática “Gênero e Sexualidade” nas escolas médicas, para que os estudantes adquiram a capacidade de atendimento às necessidades da população LGBT, produzam habilidades de comunicação com pacientes e colegas sobre o assunto, desenvolvam habilidades técnicas, bem como humanizem o tratamento a esta população, que é aviltada constantemente pela sociedade, de um modo geral, e particularmente nos serviços de saúde.

Considerando os aspectos já citados neste documento, solicitamos que os temas “Gênero e Sexualidade, Saúde da População LGBT, Saúde da Mulher e Saúde do Homem” não sejam retirados, modificados ou suprimidos, total ou parcialmente, da Disciplina Saúde Coletiva VII e nem de outras disciplinas que os tangenciem, e, ao contrário, sejam expandidos. Entendemos, desse modo, o enorme avanço que essa disciplina traz para o Currículo do Curso de Medicina da UFU, tornando o verdadeiramente um currículo inovador e direcionado para as demandas de formação de profissionais de saúde para atender ao Sistema Único de Saúde.

Cordialmente,

Pesquisadores/as, docentes e instituições que assinam esta carta em apoio aos/as estudantes.