ABRAPSO – Política

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A ABRAPSO apoia manifestação dos estudantes de Psicologia e considera que:

– A adesão às estratégias de educação à distância (EaD) e atividades não-presenciais tem sido propiciada por segmentos empresariais e setores dos governos federal e estadual paulista como maneira de ensejar a precarização do ensino universitário público, que queremos popular, gratuito e de qualidade.
– Todas as instâncias da ABRAPSO, Nacional, Regionais e Núcleos, devem assumir a defesa da universidade pública como ambiência orientada para a excelência acadêmico-científica sem aquiescer e acolher proposituras, como a adoção da EaD e formatos conexos, provindas de domínios políticos, sociais, econômicos e educacionais interessados na fragilização da educação superior pública brasileira.

 

NOTA DE ESTUDANTES DE PSICOLOGIA DO BRASIL SOBRE O ENSINO A DISTÂNCIA NO CENÁRIO PANDÊMICO DA COVID-19
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14 de abril de 2020

Enfrentamos neste momento no Brasil uma profunda crise institucional, política e econômica, agravada ainda mais pela chegada da pandemia da COVID-19. Nós, estudantes de psicologia de todo o Brasil*, reconhecemos a importância das medidas de saúde pública adotadas não só em nosso país, como no mundo todo, e não nos privamos de trazer luz ao que entendemos ser uma escalada sem precedentes no sentido da precarização do trabalho e do ensino, no que tange à educação superior brasileira – pública e privada.

O Governo Bolsonaro se movimenta aprofundando ainda mais a vulnerabilidade da classe trabalhadora brasileira com o intuito de fazer trabalhadores e trabalhadoras pagarem a conta da crise, com constantes ataques aos seus direitos através de reformas, arrochos salariais, o fechamento de escolas, a privatização da saúde e, nesse momento de crise pandêmica, em especial, priorizando o lucro à vida das pessoas. As limitações impostas pela Emenda Constitucional 95 (EC 95), aprovada ainda no governo Temer, que estipulou o teto de gastos públicos em áreas fundamentais, como educação e saúde, escancarou o arranjo perverso da realidade cotidiana de nossa população, levada a aceitar condições precarizadas de trabalho.

Entendemos que, hoje, nosso cenário conjuntural se caracteriza pelo agravamento das privatizações e entrega de patrimônios nacionais aos interesses do capital internacional, aprofundando nossa dependência científico-tecnológica e econômica em relação aos países centrais do capitalismo. Os cortes de orçamento das instituições de fomento à pesquisa, como CAPES e CNPq, e o sucateamento do ensino superior público – responsável por 95% da produção científica nacional – através do “Future-se”, evidenciam a irrelevância do desenvolvimento científico e produção tecnológica para o projeto de país que está em curso. Bolsonaro e seu Ministro da Educação, Weintraub, não estão nem um pouco preocupados com a educação e a pesquisa brasileira, e o ensino precarizado e barato, como o Ensino a Distância (EAD), não soluciona a crise. O processo de financiamento público do setor privado, por sua vez, permitiu o crescimento dos oligopólios da educação privada – como Kroton-Anhanguera, Estácio de Sá, SER Educacional, EDUCAR –, que enriquecem fomentando uma educação cada vez mais precarizada, tecnicista e acrítica.

A expansão da oferta do EAD visa diretamente a maximização das taxas de lucros do setor da educação. É sabido que vivemos um momento de exceção, mas o avanço de políticas de mercantilização da educação é, de fato, anterior. Já na Portaria 1.428, publicada pelo Ministério da Educação (MEC) em 28/12/2018, com posterior reformulação através da Portaria MEC 2.117 de 06/12/2019, foi autorizada a implementação de até 40% da carga horária dos cursos presenciais em EAD; e os cortes na educação – como os 40% no orçamento das Universidades Federais imposto pelo MEC no primeiro semestre de 2019 –, agravaram ainda mais a situação. E agora, aproveitando-se da crise sanitária que atravessa o país, o governo aprovou a Portaria MEC 343/2020, que permite a implementação em massa de aulas online e a distância pelas Instituições de Ensino Superior (IES) durante o período de quarentena.

As diversas formas de educação a distância utilizadas hoje, portanto, não são um fator excepcional devido à situação de pandemia que vivemos, mas uma maneira de se potencializar os lucros de conglomerados de universidades privadas – com demissão de professores, menos estrutura e mensalidades altas, o que prejudica a qualidade do ensino e a própria qualidade de vida de estudantes. Mas, principalmente, a implantação do ensino remoto, domiciliar ou a distância em universidades públicas é mais uma face do desmonte histórico e constante do fundo público brasileiro, que tem se aprofundado nos últimos anos por conta do avanço do neoliberalismo.

A substituição da educação presencial nessas universidades é a negligência de um ensino crítico e sobretudo da pesquisa e da extensão, que têm sido fortemente atacados pelo governo de extrema direita de Bolsonaro, porta-voz da burguesia internacional no país. A privatização da educação pública brasileira é um processo histórico, uma vez que a produção de nossa ciência e tecnologia é cooptada por empresas privadas, quando deveria ser voltada à classe trabalhadora da cidade e do campo; além de uma série de medidas estruturais que já são contrárias à autonomia universitária e popular, como a gestão dos Hospitais Universitários pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). No entanto, agora, sua forma e conteúdo são cada vez mais entregues às grandes empresas, e o EAD, como nos é apresentado, é parte dessa defasagem.

Nesse sentido, a educação a distância como é estabelecida hoje, para além de desqualificada, torna-se extremamente inacessível. A classe trabalhadora e seus filhos e filhas têm cada vez mais adentrado o espaço universitário, apesar de ainda encontrar diversas barreiras para entrar e permanecer nessas instituições. Essas pessoas que, muitas vezes, são negras, pobres, mães, refugiadas, indígenas, LGBTs e/ou com deficiência, nem sempre têm acesso à tecnologia necessária para a utilização das plataformas digitais em que acontecem essas aulas e atividades, assim como a ambientes propícios de estudo. As plataformas, por sua vez, não são padronizadas – principalmente quando se diz respeito às IES privadas – e, muitas vezes, sua utilização é de extrema dificuldade para pessoas com deficiência ou pessoas que não estão familiarizadas com o uso desse tipo de tecnologia.

Além disso, existem as “Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Psicologia (CNE/MEC)”, e as diretrizes próprias de cada IES, estabelecidas segundo um padrão de atividades presenciais, e não para um cenário totalmente a distância. Uma estratégia pedagógica “elaborada” às pressas num momento de pandemia não corresponde às estratégias já exaustivamente elaboradas e aprovadas em e para momentos de normalidade. O EAD não é uma solução e causa sobrecarga no corpo docente, evidenciando limitações pedagógicas que não podem ser superadas para que atinjam qualquer tipo de equivalência com o ensino presencial já estabelecido; prejudicando a nossa formação. Não aceitamos o descaso e a irresponsabilidade de Weintraub com a educação e com a formação profissional das futuras psicólogas e psicólogos. Com preocupações semelhantes, entidades como a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP), o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e a Federação Nacional dos Psicólogos (FENAPSI) também se manifestaram contra a adoção do modelo EAD como alternativa possível, em nota lançada no dia 25 de março de 2020.

Portanto, para além de um imaginário elitista-burguês, deve-se levar em conta as condições concretas e reais que o EAD pressupõe. Nesse sentido, é contraditório que questões de saúde mental não sejam pautadas quando se fala de ensino a distância de Psicologia em meio a uma pandemia. A sobrecarga de docentes num contexto de infecção generalizada – que só piorará nos próximos dias e semanas, com o aumento da chance de contágio e de precisar lidar com pessoas próximas afetadas – representa a precarização de seu trabalho e ignora o atual momento de vulnerabilidade à saúde física e mental, excedendo-as ainda mais. O mesmo vale para discentes, principalmente trabalhadores e trabalhadoras que tiveram que continuar exercendo sua força de trabalho, estando em exposição direta ao coronavírus.

Não fazemos aqui uma crítica ingênua sobre o uso da Tecnologia da Informação e Comunicação (TICs) na área da educação. Sabemos das melhorias e limitações que os avanços tecnológicos nos trazem. No entanto, enquanto futuros e futuras profissionais da área, em busca de uma atuação crítica, atenta às desigualdades sociais e compromissada com a transformação social, pensamos as tecnologias (no caso, o EAD) como produções datadas da cultura humana e sua aplicação como não neutra, mas servindo como instrumento de poder capitalista, que se utiliza da tecnologia para exercer seu controle prático, econômico e ideológico sobre os mais pobres.

A educação online e a distância é uma política do Banco Mundial, disfarçada de democratização do Ensino Superior nos países de terceiro mundo. Na verdade, é a imposição, por parte da classe hegemônica, de uma modalidade de ensino cada vez mais precarizada, esvaziada de conhecimento científico, crítico, artístico e filosófico. Oferece-se à classe trabalhadora um diploma e a aquisição de competências para a venda de sua força de trabalho. Une-se, assim, interesses políticos – melhoria das estatísticas educacionais desejáveis – com interesses econômicos – maior taxa de lucratividade das empresas de serviços educacionais –, ambos mascarados pela tese de que a modalidade de EAD é uma consequência natural do desenvolvimento tecnológico. Tal modalidade de ensino tem como público-alvo a população mais pobre da sociedade, com destaque para mulheres trabalhadoras, majoritariamente negras, que necessitam da flexibilização de horário oferecida pela modalidade a distância para conseguirem conciliar o estudo com suas jornadas de trabalho, incluindo o trabalho doméstico.

A apresentação da Portaria 343 e as últimas declarações do MEC demonstram tal descompromisso do governo com a saúde e os direitos sociais de discentes, docentes, funcionários e funcionárias em prol de interesses privatistas. Elas abrem precedente para o avanço das disciplinas online e aulas a distância mesmo após a normalização do calendário ao fim da pandemia, pois as estruturas que se estabelecem agora dificilmente serão desmontadas posteriormente. Ao mesmo tempo, ao dar continuidade às atividades acadêmicas por EAD, garante-se que os custos da pandemia sejam transferidos para estudantes e docentes, não impactando nos lucros dos grandes oligopólios da educação – ainda que eventualmente se reduzam as mensalidades para o valor de mercado de cursos a distância –, representando um verdadeiro agravamento das condições precárias nas quais o ensino brasileiro já se encontra.

Deste modo, como forma de barrar esse projeto de governo para a educação, é necessário que estudantes de psicologia se organizem para que as atividades a distância não tenham caráter de obrigatoriedade e tampouco substituam as atividades presenciais. Que durante esse período de suspensão das atividades presenciais, o vínculo estudante-universidade seja fortalecido por meio de construção de materiais de apoio, dicas de leituras, atividades críticas que sejam abertas à comunidade externa, formação de grupos de estudos sobre temas que surjam a partir de demandas do corpo estudantil e de atividades que levem em conta todos os apontamentos desta nota. Torna-se fundamental também que, durante todo esse processo, haja ampla participação de estudantes nas instâncias deliberativas da universidade para as tomadas de decisão sobre restabelecimento do calendário, assim como a reposição das aulas, levando em conta a manutenção de sua qualidade e a presença discente, garantindo que aqueles e aquelas que trabalham no contraturno do período das aulas não sofram prejuízos.
Reafirmamos, então, nossa postura contra a obrigatoriedade do EAD e propomos a revogação imediata da EC 95, suspensão do pagamento da dívida pública – que consumiu, ano passado, 38,8% do nosso orçamento – para ter investimentos na saúde (SUS), educação e ciência; bem como a revogação imediata da gestão da EBSERH. O lucro não pode estar acima da vida! Enfatizamos a importância da organização estudantil para que consigamos derrotar todo esse projeto; consideramos importante que os CAs, DAs e outras representações discentes mobilizem os e as estudantes, convocando amplamente novos panelaços pela qualidade de ensino, o acesso igualitário e a saúde – não só física como também mental – de discentes e docentes; contra o governo Bolsonaro e os ataques neoliberais, que atingem principalmente as e os estudantes da classe trabalhadora!

* Somos entidades estudantis e estudantes de cursos de Psicologia de diversas regiões do Brasil, unidas virtualmente no presente período de quarentena a fim de pautar seus impactos em nossas graduações de forma crítica.

Assinam:
Centro Acadêmico 27 de Agosto – Psicologia – PUC Camp/SP
Centro Acadêmico Carla Regina Françoia (CACAF) – PUC PR/PR
Centro Acadêmico da Escola de Psicologia (CAEP) – USCS/SP
Centro Acadêmico de Psicologia (Capsi) – FACISA – UFRN/RN
Centro Acadêmico de Psicologia (CAPsi) – FPD – Aracaju/SE
Centro Acadêmico de Psicologia (CAPSI) – UnB/DF
Centro Acadêmico de Psicologia (CAPSI) – UNESP – Campus Bauru/SP
Centro Acadêmico de Psicologia Ana Regina Felipe Ziller – UFSJ/MG
Centro Acadêmico de Psicologia Bispo do Rosário (CAPSI) – UNIFESP/SP
Centro Acadêmico de Psicologia Camilla Rosato (CAPCR) – UEMG – Unidade Ituiutaba/MG
Centro Acadêmico de Psicologia Carolina Bori – UNIFAMAZ/PA
Centro Acadêmico de Psicologia Carolina Maria de Jesus (CAPsiCMJ) – UFAL – Campus A.C. Simões/AL
Centro Acadêmico de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (CAPsi PUC SP)/SP
Centro Acadêmico de Psicologia da Unesp Assis (CAPSIA) – UNESP – Campus Assis/SP
Centro Acadêmico de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (CAPsi UFMG) – UFMG/MG
Centro Acadêmico de Psicologia da Universidade Positivo (CAPUP) – UP – Unidade Curitiba/PR
Centro Acadêmico de Psicologia Iara Iavelberg – UFJF/MG
Centro Acadêmico de Psicologia Tatiana Ramminger (CAPTA) – UFF – Campus Volta Redonda/RJ
Centro Acadêmico de Psicologia – UFPR/PR
Centro Acadêmico de Psicologia Uninassau Marielle Franco (CAPSIU MF) – Faculdade Uninassau – Campus Belém/PA
Centro Acadêmico de Psicologia Valenir Machado (CAPsiVam) – FCMMG/MG
Centro Acadêmico Iara Iavelberg – USP – Campus Butantã/SP
Centro Acadêmico III de Fevereiro (CATF) – UFTM/MG
Centro Acadêmico Martin Baró (CAMB) – UFBA – Campus Vitória da Conquista/BA
Centro Acadêmico Nise da Silveira de Psicologia (CAPSI) – UFPA/PA
Centro Acadêmico Silvia Lane – Faculdade Machado Sobrinho/MG
Centro Estudantil da Psicologia – USP – Campus de Ribeirão Preto/SP
Coletivo Feto Do Diretório Acadêmico – PUC MG – Campus Praça Da Liberdade/MG
Coordenação Nacional de Estudantes de Psicologia (CONEP)
Diretório Acadêmico de Psicologia, Gestão Candiêro – UFPE/PE
Diretório Acadêmico de Psicologia (DAPSI) – PUC RS/RS
Diretório Acadêmico de Psicologia (DAPSI) – UFF – Campus Niterói/RJ
Diretório Acadêmico de Psicologia da Universidade do Vale do Sapucaí (DASA) – Univás/MG.
Diretório Acadêmico de Psicologia Eros & Psiquê – PUC MG – Campus Poços de Caldas/MG
Diretório Acadêmico de Psicologia Marcus Vinícius de Oliveira Silva – UFBA – Campus Salvador/BA
Diretório Acadêmico Escípio Cunha Lobo do Instituto de Psicologia – PUC MG – Campus Coração Eucarístico/MG
Diretório Acadêmico Samuel Eggers, o Incrível (DASEIN) – UFRGS/RS
Diretório Acadêmico Vânia Carneiro – PUC MG – Campus Betim/MG
Diretório Central dos Estudantes (DCE) – Faculdade Uninassau – Campus Belém/PA
Jacqueline Leal – FAE Centro Universitário Franciscano do Paraná/PR
Rafael Hozannah de Albuquerque – UFAL – Campus A.C. Simões/AL