ABRAPSO apoia e divulga Carta de Repúdio à extinção da RENCA

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ABRAPSO apoia e divulga Carta de Repúdio das associações científicas à extinção da Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca), que abrem a área à exploração minerária.
Acesse aqui o documento original ou leia abaixo o texto na íntegra

 

CARTA DE REPÚDIO DAS ASSOCIAÇÕES CIENTÍFICAS À EXTINÇÃO DA RESERVA NACIONAL DO COBRE E SEUS ASSOCIADOS (RENCA)

 

Brasília, 13 de setembro de 2017.
Ao Exmo. Sr. Michel Temer
Presidente
Presidência da República Federativa do Brasil – PR
C/C para:
Ao Exmo. Sr. Torquato Lorena Jardim
Ministro
Ministério da Justiça e Segurança Pública
Exmo. Sr. Sarney Filho
Ministro
Ministério do Meio Ambiente – MMA
Exmo. Sr. Fernando Coelho Filho
Ministro
Ministério de Minas e Energia – MME
Exma. Srª Drª Grace Maria Fernandes Mendonça
Advogada Geral da União
Advocacia Geral da União – AGU
Ao Exmo. Sr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador Geral da República
Ministério Público Federal – MPF
Exmo. Sr. Dr. Luciano Mariz Maia
Coordenador
6ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) – PGR/MPF
Exmo. Sr. Franklimberg Ribeiro de Freitas
Presidente
Fundação Nacional do Índio – FUNAI
Exmo. Sr. Leonardo Góes Silva
Presidente
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA

 

Assunto: Associações Científicas manifestam preocupação com o adequado cumprimento dos dispositivos legais relativos aos direitos humanos e ambientais e pedem a revogação das medidas que extinguem a Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca) e abrem a área à exploração minerária.

 

Excelentíssimo Presidente,
Por meio desta, as Associações/Sociedades Científicas, abaixo assinadas, vêm manifestar a V. Exa. extrema preocupação com o adequado cumprimento dos dispositivos legais relativos aos direitos humanos e ambientais, especialmente dos Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais a serem afetados pela extinção da Reserva Nacional de Cobre e seus Associados – Renca, localizada nos Estados do Pará e do Amapá, e pela intensão do Governo Federal de dar início à exploração mineral na área da referida Reserva, localizada entre os estados do Pará e Amapá.

Repudiamos o conjunto de ações relacionadas com a extinção da Renca, que fazem parte de um planejamento mais amplo do Governo Federal voltado para abertura de novas frentes de mineração em solo Amazônico, por empresas nacionais e estrangeiras de capital privado e misto. Elas vão atingir profundamente áreas tradicionalmente ocupadas por Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, de grande importância para a conservação dos patrimônios cultural e ambiental da Amazônia brasileira, bem como o direito humano destes povos à autodeterminação e à decisão sobre seus próprios modelos de desenvolvimento.

Com uma área de 46.000km², a Renca foi criada em 1984, pelo Decreto nº 89.404. Como é do conhecimento de Vossa Excelência, ela foi criada como uma forma de garantir a preservação dos bens minerários. Na área da Reserva encontram-se presentes um total de nove áreas protegidas: duas terras indígenas, a Terra Indígena Waiãpi (onde vivem cerca de 919 membros do povo Wajãpi) e a Terra Indígena Rio Paru d’Este (habitada por aproximadamente 240 pessoas dos povos Wayana e Aparai e povos indígenas isolados, cuja presença foi constatada), e sete Unidades de Conservação, sendo três de proteção integral (a Estação Ecológica do Jari, o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e a Reserva Biológica de Maicuru) e quatro de uso sustentável (a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, a Floresta Estadual do Amapá e a Floresta Estadual do Paru). Em área contígua à Renca, encontra-se também a Terra Indígena Parque Tumucumaque, de extensão de 3071 mil hectares, abrangendo quatro povos indígenas (Aparai, Katxuyana, Tiriyó e Wayana), com população de aproximadamente 1.700 indígenas.

Embora sejam veiculadas notícias a respeito da extinção da Renca desde 2015, somente no vosso governo foi dado o primeiro passo para regulamentá-la. A Portaria do Ministério de Minas e Energia – MME Nº 128, de 30 de março de 2017, procurou regulamentar as outorgas e os títulos minerais vigentes na área. Na ocasião, o diretor-geral do DPNM, Victor Bica, informou à imprensa sobre o aumento significativo de requerimentos para concessão de títulos minerais na Reserva, desde a sua criação, sinalizando o “interesse do Mercado nessas áreas” (http://www.valor.com.br/brasil/4934205/apos-30-anos-extracao-de-ouro-pode-voltar-amazonia).

Em 23 de agosto de 2017, foi publicado no Diário Oficial da União – D.O.U. o Decreto Nº 9.142 de 22 de agosto de 2017, extinguindo a Renca. A sua publicação logo gerou repercussão entre diversos setores da sociedade e da academia. Diante da pressão, um novo decreto foi publicado (Nº 9.147, de 28 de agosto de 2017), “para regulamentar a exploração mineral apenas na área onde não haja sobreposição com unidades de conservação, terras indígenas e faixa da fronteira” (http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1000&pagina=1&data=28/08/2017).

No mesmo dia 28 de agosto, o Ministério Público Federal do Amapá (MPF/AP) entrou com uma Ação Civil Pública para revogar o primeiro decreto, e posteriormente o segundo, alegando que a extinção de uma Reserva só pode ser feita por meio de lei, após uma ampla discussão no Congresso Nacional e da realização de consulta aos povos e às comunidades da região (http://www.mpf.mp.br/ap/sala-de-imprensa/docs/2017-001167-78-acp-renca-aditamento-pedido.pdf). A judicialização não cessou por aí, no dia 29 de agosto a Justiça do Distrito Federal (21ª Vara Federal) deferiu parcialmente liminar para “suspender imediatamente todo e qualquer ato administrativo tendente a extinguir a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), sem a prévia observância da garantia constitucional estabelecida no art. 225, §1º, inciso III, da Lei Maior” (https://www.r7.com/r7/media/pdf/decreto.pdf).

No dia 1º de setembro de 2017, o MME divulgou nota informando sua decisão em suspender por 120 dias os efeitos do decreto, que gerou grande polêmica, inclusive, entre as pastas do Governo. Quatro dias depois, em 05 de setembro, a Portaria Nº 357 foi publicada com esta decisão de paralisar os efeitos da extinção da Renca para, entre outras coisas, “discutir com a sociedade sobre as alternativas para a proteção da região”. Também, para “que a análise dos processos minerários, em áreas passíveis de aproveitamento mineral, deve se dar apenas depois de encerrado o processo de discussão com a sociedade e de esclarecimentos sobre as condições que levaram à decisão de extinção da Renca e de acordo com os resultados desse processo” (http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=31&data=05/09/2017). A suspensão dos efeitos do decreto, todavia, não significou a sua revogação.

Sob a alegação de que a presença da Renca não impede o garimpo ilegal e desordenado, representantes do Governo Federal continuam defendendo a regulamentação de atividades minero-extrativistas de grande porte na região. A despeito das notas da assessoria da Presidência informando que não serão liberadas as áreas relativas às unidades de conservação, segundo Nota Técnica da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão Meio Ambiente e Patrimônio Cultural da Procuradoria Geral da República – PGR, datada de 30 de agosto de 2017, o decreto Nº 9.147 torna disponível para a mineração aproximadamente 70% da Renca. No mesmo parecer encontramos a informação de que apenas 0,33% da área da reserva encontra-se desflorestada atualmente, nos permitindo vislumbrar a escala dos possíveis desmatamentos a serem promovidos, com perdas irreparáveis à sociobiodiversidade do bioma amazônico a médio e longo prazo. Compreende-se que haverá forte pressão dos setores da mineração e da infraestrutura associada visando alterar as regras que impedem o acesso aos demais 30% (http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/NT520174CCRRenca.pdf).

Além disto, pesquisas em áreas afetadas por grandes projetos de mineração têm demostrado como os efeitos dessa produção se fazem sentir muito além das “áreas de influência” previamente indicadas nos estudos ambientais. Dentre tais efeitos estão: aumento acelerado da migração e da densidade demográfica, aumento do número de doenças, da violência e de casos de violação aos direitos humanos, ampliação das zonas de desmatamento, comprometimento de rios e fontes de água, recursos naturais e fontes de subsistência, restrição à circulação de pessoas, expropriação de terras de ocupação tradicional. A condução precária dos procedimentos de licenciamento ambiental soma-se às ameaças que se abatem sobre povos, culturas e ecossistemas amazônicos (http://www.vibrant.org.br/issues/lastest-issue-v-14-n-2-05-082017/). A julgar pelo otimismo do Governo Federal diante das perspectivas de ampliação dos investimentos e da arrecadação, a magnitude destes efeitos é ainda incalculável e se soma aqueles já sentidos em decorrência de grandes empreendimentos de infraestrutura e minerários na Calha Norte do rio Amazonas (http://www.museu- goeldi.br/portal/content/nota-p-blica-dos-pesquisadores-do-goeldi-sobre-extin-o-da-renca).

Não temos dúvidas de que esta decisão do Governo Federal se vincula a um outro conjunto de iniciativas em curso no Poder Legislativo, coordenadas para flexibilizar a legislação socioambiental e atrair novos empreendimentos para a região, a partir de medidas tomadas em caráter emergencial e antidemocrático, desconsiderando ou atribuindo pouco espaço à discussão com a sociedade civil e, principalmente, com os povos e populações diretamente afetados.

Alguns exemplos mais recentes desta investida do Governo Federal no setor minero-extrativo são o Programa de Revitalização Mineral Brasileira (lançado em 25/07/2017) e as três Medidas Provisórias (MPs 789, 790 e 791) que versam sobre a criação da Agência Nacional de Mineração – ANM, a modificação do Código de Mineração e a revisão da legislação que trata da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM (http://www.aba.abant.org.br/files/20170802_59821d94183dd.pdf). O Ministério de Minas e Energia divulgou em nota que estas medidas, assim como a proposta de extinção da Renca, já tinham sidoanunciadas para possíveis investidores durante a feira de mineração Prospectors and Developers Association of Canada – PDAC, realizada em Toronto, em março de 2017.

Excelentíssimo Presidente, diante do exposto, vimos solicitar a revogação do processo de extinção da Reserva Nacional de Cobre e seus Associados – Renca, até que seja julgado o mérito das ações civis públicas ajuizadas, e que sejam regulamentados e adotados os procedimentos de consulta junto aos Povos Indígenas e demais populações afetadas, como estabelece o Decreto Nº 5.051, de 19 de abril de 2004 – que promulga a Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. E que seja promovido um amplo debate envolvendo, além dos povos e comunidades locais, representantes de organizações civis, membros do poder público, pesquisadores e membros das sociedades científicas.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA
Associações/Sociedades Científicas