Já está disponível para download o ebook “A Política do Cotidiano: contribuições teóricas e práticas da Psicologia Social”, uma publicação da Editora ABRAPSO com textos do XIX Encontro Regional Minas.
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Apresentação
O XIX Encontro Regional da Abrapso Minas, realizado em Betim, em 2014, coincidiu com o 50º aniversário do golpe de 1964 que suspendeu, por 21 anos, a democracia no Brasil. Como responsáveis pela vice-diretoria mineira da Abrapso Associação Brasileira de Psicologia Social, em 2014, nós percebemos ser nossa obrigação lembrar a data Para que não se esqueça, Para que nunca mais aconteça, como diz o conhecido slogan dos que se opuseram ao golpe e à violenta ditadura que se seguiu.
Essa foi temática importante no encontro. Conseguimos com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República o conjunto de painéis itinerante que, de forma clara, concisa e simples expõe com fotos e textos os principais momentos da ditadura: o golpe a 1º de abril de 1964; os protestos de rua contra ele; o episódio de Ibiúna, de 1968, quando as principais lideranças estudantis foram presas ao tentarem realizar o congresso da União Nacional de Estudantes (UNE); o decreto do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), de 1968, que suspendeu direitos políticos e civis no Brasil; as perseguições a desafetos do regime ditatorial; o extermínio dos guerrilheiros do Araguaia, em 1972; a tortura e a morte de resistentes; as lutas nacionais pela anistia, a partir de 1973, e pela retomada da democracia; o movimento nacional pelas Diretas Já, exigindo a volta das eleições suspensas desde 1964 para os cargos de presidente e governadores.
Para completar a exposição da Secretaria de Direitos Humanos, fizemos nosso próprio painel. Entre estudantes e profissionais da Psicologia, homenageamos 12 mineiros de nascimento ou de adoção, colegas mortos ou perseguidos pela ditadura: Idalísio Soares Aranha Filho (1947-1972); João Vidigal (1943-1972); Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes (1940-); Michel Marie le Ven (1931-); Pedro Parafita de Bessa (1923-2002); Marília Pires Fernandes (1946-); Edna Maria dos Santos Roland (1954-); Ana Rita de Castro Trajano, Lívia Maria Fraga Vieira; Maria de Fátima Cardoso Gomes (Mafá), Paulo Roberto Lima Pinheiro e Sérgio de Castro, os últimos cinco nascidos no final da década de 1950 e indiciados em 1977 por participarem da tentativa nacional de reorganização a UNE. Temos ciência de que nossa lista é incompleta e que a pesquisa deve continuar.
Outra exposição, com fotos e músicas da época, explicitou nossa adesão à luta antimanicomial, mostrando os horrores que ocorriam nos grandes hospitais psiquiátricos nos anos 1970. Promovemos também uma Roda de Conversa com a presença de cerca de 40 pessoas, entre as quais sete de nossos homenageados Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes, Michel Marie le Ven, Marília Pires Fernandes, Edna Maria dos Santos Roland, Ana Rita de Castro Trajano, Lívia Maria Fraga Vieira; Maria de Fátima Cardoso Gomes , além da esposa e dos filhos de João Vidigal. Foram lembrados em primeira mão sofrimentos, torturas e as dificuldades da vida clandestina, praticamente imposta aos perseguidos. Ressaltou-se que muitos dos crimes cometidos pela ditadura ainda restam impunes.
O encontro foi ainda marcado por lembranças da origem da Abrapso, criada oficialmente durante a chamada abertura política da década de 1980. Sua criação fez parte do movimento de resistência não só à ditadura como a certo imperialismo acadêmico exercido pelos norte-americanos. Hoje ainda a associação traz o selo dessa gênese.
O tema do XIX Encontro A política no cotidiano: contribui- ções teórico-práticas da Psicologia Social e respectivos eixos mos- traram bastante bem o compromisso da Abrapso mineira com os direitos humanos e sua opção pelos excluídos. Foram tratados: o sistema público de saúde, a educação cidadã, a defesa das diversidades e da inclusão sociais, a violência urbana, a precarização do trabalho, a desigualdade, a parceria com a assistência social, os movimentos como o dos sem teto, sem terra, feministas e homoafetivos, entre outros.
Neste livro esses temas são retomados. Na primeira parte dele, homenageamos os colegas que lutaram contra a ditadura. Na segunda, discutimos a situação da Psicologia Social na contemporaneidade, questões de formação, práticas de extensão, atenção primária à saúde mental, atuação em centro de referência de assistência social. Na terceira, revisitamos o movimento feminista dentro da Psicologia Social, em dois momentos: o marco histórico de seu início nos anos 1970 e o atual movimento das prostitutas, enfim integrado ao feminista. Finalmente, na quarta parte, o tema são os direitos humanos e sexuais.
Enquanto organizávamos o livro, ocorreu o assassinato de nosso colega, Marcus Vinicius de Oliveira Silva. Já aposentado e sempre militante de direitos humanos, ele dividia seu tempo entre seu blog, a preservação ambiental e a mediação na defesa de quilombolas e indígenas. Dedicamos a ele o livro. Prestamos nossa homenagem a ele em texto que se segue a esta apresentação.
Em 2014, víamos com otimismo os caminhos tomados pela Psicologia Social, em especial sua participação nas políticas públicas. Contudo, o momento do lançamento do livro, no XX Encontro Regional mineiro de 2016, não nos encontra mais tão otimistas. A emboscada armada contra Marcus Vinicius nos feriu diretamente naquilo que sabemos fazer: mediar conflitos, defender direitos de minorias, crianças, idosos, aprisionados.
No curto espaço de dois anos, parece-nos que, como país, nós andamos para trás em termos políticos e sociais. Como a anunciar as desgraças que se seguiriam, assistimos à adoção de lei retrógada reduzindo a maioridade penal, na contramão das conquistas obtidas ao se elaborar, com discussões amplas, abertas e democráticas, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Assistimos a manifestações de bem vestidos e bem alimentados a expor cartazes com o pedido de volta da ditadura. Depois, vimos outra interrupção da democracia no Brasil, antecipada por uma campanha que ridicularizou e humilhou a presidenta Dilma Rousseff e terminou com a violenta subtração do seu mandado, num espetáculo de misoginia que combina bem com o incremento da violência contra a mulher a que hoje assistimos. A seguir, testemunhamos se assentar no poder uma elite nacional avessa à diversidade, a sem tetos, a sem terra e a outros não incluídos. Vimos ganhar ainda mais força a mídia de ricos poderosos, não raro partidária da impunidade de outros poderosos, valendo-se da calúnia, da intriga, do partidarismo e do golpismo contra os que não a seguem.
Mas ainda sonhamos com um país diferente e lutamos cotidianamente por ele, nos nossos encargos do dia a dia.
Julho de 2016
Os organizadores.