Ao invés da psicologia da intolerância, a Psicologia da Diversidade!

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O discurso de Rosangela Justino advoga que muitas pessoas que não desejam se conformar com a sua condição homossexual precisariam de apoio psicológico para abandonar “voluntariamente” sua homossexualidade. Portanto, diz Rosangela, estas pessoas precisam de auxílio junto a psicólogos, talvez como ela, para efetivar mudanças, entendendo que estas mudanças devem contar com os profissionais da psicologia. Ainda salienta a religiosa que este tipo de tratamento deveria ser um direito garantido. Este discurso é no mínimo uma estratégia ideológica que merece ser descortinada, mas com certeza ele só não revela alguma preocupação com a sexualidade e a felicidade humana.

A preocupação de Rosangela Justino, que se intitula religiosa e psicóloga, não é sobre as sexualidades nem tampouco sobre o bem-estar dos indivíduos e da sociedade. Sua estratégia é, ao focalizar a sexualidade e o trânsito entre posições sexuadas, defender uma sociabilidade única, autoritária e dogmática em nome daquilo que a proponente intitula como sendo o combate ao “imoralismo”. Mas na verdade, tenta esconder e dissimular o desrespeito, a intolerância e a desigualdade apregoada por sua postura e de seus adeptos. É necessário compreender a estratégia ideológica que leva a religiosa centrar seu discurso moralizador na sexualidade para desenvolver uma prática da intolerância e do desrespeito ao bem-estar psíquico característico dos seres humanos: a plasticidade e a diversidade das experiências sociais.

Caso a sexualidade fosse de fato sua maior preocupação e o bem-estar psicológico seu maior objetivo, tendo os distintos confortos e desconfortos que todos nós vivemos com as práticas e fantasias sexuais, Rosangela deveria não mais falar em “homossexuais que querem deixar a homossexualidade voluntariamente”, mas deveria dizer em “pessoas que querem sentir-se confortáveis, autônomas e felizes com suas práticas sexuais, sejam elas quais forem”! Por quais motivos então Rosangela não fala em “heterossexuais que querem deixar sua heterossexualidade voluntariamente” e sentem-se mal, dada a homofobia ser tão forte e a heteronormatividade ser tão compulsória? Há milhões de pessoas que passam (talvez percam) tempo e experiências de suas vidas tendo práticas heterossexuais, mas sentindo-se homossexuais. Por que será que eles não estão na mira dos discursos ideológicos de Rosângela? Quando que estes intitulados psicólogos irão oferecer tratamento para heterossexuais que não se sentem confortáveis e que gostariam de deixar a heterossexualidade voluntariamente para sentirem-se mais autônomos e felizes? Não fazem isto porque o mote de suas ações e de seus discursos é a velha e conhecida intolerância e não a saúde e o bem-estar psíquico de cada um de nós.

Ora o que se esconde, portanto, é a intolerância com outras formas de sociabilidades, formas de ser, formas de afetos, de se relacionar, de desejar o mundo e o futuro, de construir laços sociais e de identidades sociais e individuais. Por que intolerância? Porque ela imagina que só existe uma única forma de ser humano, porque se intitulam, ela e seus adeptos, porta vozes do bem-estar, porque não admitem que a vida social e individual é mais rica em diversidade e mais plástica do que puderam experimentar, porque exigem em nome da ciência, a prática do dogma e da crença e não a prática do esclarecimento e da autonomia.

A Psicologia, desde a fundação e organização do pensamento psicológico científico, ou seja, muito antes da existência da própria Psicologia, fez e tem feito um enorme esforço exatamente para se separar de outras formas de conhecimentos que não utilizam da argumentação pública e teórico-metodológica, da construção empírica e da organização analítico-argumentativa legitimada por comunidades e pares. O que isto significou? Significou o caminho, muitas vezes contraditório, de construção da ciência psicológica. Ou seja, muitas brigas, debates e desafetos precisaram existir para que a ciência pudesse conquistar mentes e corações. E uma das formas de conhecimento que prometia não abandonar o pensamento psicológico era a própria religião. Assim, entendeu-se, por muito tempo, e me parece bastante atual, que as religiões também produzem formas de conhecimento de si e do mundo a nossa volta. Sua diferença, ou a mediana diferencial entre a religião e a ciência é que a primeira utiliza-se da crença e da fé e a segunda da argumentação crítica, das metodologias, de teorias científicas e da legitimação na comunidade. Ora só estas diferenças já nos permitem compreender o que significa negá-las, não reconhecer as diferenças de cada uma e as conseqüências nefastas desta mescla estratégica no discurso de Rosangela Justino.